sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

Poema em linha recta, Fernando Pessoa

Nunca conheci quem tivesse levado porrada
todos os meus amigos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes pouco, tantas vezes vil,
eu tantas vezes irrespondivelmente parasitei,
indesculpavelmente sujo,
eu, tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo.
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
que tenho sofrido enxovalhos calados,
que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico ás criadas de hotel,
eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
eu, que quando hora de soco me tenho agachado
para fora das possibilidades do soco.
Eu, que tenho sofrido a angustia das pequenas coisas ridículas,
eu verifico que não tenho par nisto, neste mundo.
Toda a gente que eu conheço fala comigo
nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalhado,
nunca fui senão, príncipe - todos eles príncipes - na vida…
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
que confesse, não uma violência, mas uma cobardia! (…)

Poderá as mulheres não os ter amado.
Podem ter sido traídas – mas ridículos nunca!
E, eu que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
como posso falar dos meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

2 comentários:

conspiracaodaagulha disse...

Adoro Fernando Pessoa!
Boa escolha!

Anónimo disse...

Grande poema. Boa escolha. E belo design do blog.